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Este foi o ultimo roteiro que elaboramos nesta disciplina. A professora Rosane havia nos dado total liberdade para trazermos um tema que julgássemos interessante, escolhemos falar de cosmologia e modelos de expansão do universo. O tema não tem relação direta com nenhum dos outros roteiros que levamos à escola, nem com nada que os alunos viram nos três anos de física.
O roteiro foi inspirado em um experimento que conheci num curso de formação de professores de Astronomia no INPE, que de certa maneira contribuiu bastante para a ideia que eu tenho de universo em expansão. Embora esse fosse o tema central do roteiro achamos que seria importante não limitar-nos a ele. Esperávamos que muitos alunos não teriam qualquer grau de familiaridade com astronomia e talvez não soubessem diferenciar sistema solar de via láctea, então um dos objetivos fundamentais que estabelecemos foi de contextualizar os alunos na hierarquia espacial do universo e a medida do possível desenvolver uma noção de escala cosmológica. Para isso iniciamos o roteiro com um breve texto, sobre o qual planejávamos iniciar uma discussão coletiva com o intuito de identificar algumas pré-concepções e dúvidas que os alunos pudessem ter, além de esclarecer conceitos.
Essa discussão introdutória foi particularmente difícil na primeira turma (3ºA). Quando os alunos chegaram no laboratório, já estavam sobre as bancadas os roteiros, as canetas e as bexigas. Explicamos que essa era a nossa última visita a escola, agradecemos pela oportunidade, e pela colaboração. Comentamos que a experiência foi muito boa pra gente, aprendemos muito com eles. Alguns demonstraram desapontamento. “Ahh...”, “então vocês não voltam mais?”. De certa maneira isso nos deixou um pouco tristes, parecia que estávamos abandonando-os. Comentei: “Gente, o ensino médio está acabando, daqui a alguns dias vocês também não estarão mais aqui.” Enfim, em meio a essa conversa de despedida, e as bexigas sobre as bancadas, os alunos entenderam festa, e foi difícil conter esse clima que se espalhava pela classe. Naquele momento o destino do universo parecia muito menos importante do que o destino que cada um tomaria dentro de poucas semanas.
Eles até fizeram o roteiro direitinho, alguns tiraram dúvidas, mas não se envolveram muito. A maior parte dos grupos terminaram rapidamente o roteiro e depois começaram a “personalizar”, os seus universos bexigas de acordo com os seus universos internos: “3ºA 2011”, apelidos do grupo, desenhos, “Rosane: a melhor prof de física”, caricaturas do professor de matemática, um monte gírias que acho que deveriam ter algum sentido interno no grupo, enfim as galáxias separadas foram se transformando naquele clima de festa que se espalhava pela sala. Começaram a fazer muito barulho, fiquei preocupada com as outras salas, e eu perguntei para Rosane se eu deveria fazer alguma coisa a respeito. Ela respondeu: “deixa, a aula já está terminando. Eles só estão contentes, ninguém está agredindo ninguém.” Em nenhum outro momento do ano eles foram indisciplinados daquele jeito. Em nenhum outro relatório falei de indisciplina. Dessa vez, estava um caos, mas eu não queria mandar todo mundo sentar e ficar quieto, eu não via propósito nisso. É uma decisão difícil como professora, em que circunstâncias, em que nível podemos aceitar indisciplina? Na verdade, eu queria me juntar a festa, mas achei que seria completamente inapropriado.
Analisando os roteiros percebemos que um grupo entendeu que os pontos desenhados sobre as bexigas representavam planetas que se afastavam e não galáxias: “Ao passar do tempo os planetas vão se afastando, como visto no balão do experimento.” Todos os demais grupos atingiram os objetivos propostos.
Resolvemos mudar um pouco a dinâmica da aula no 3ºH. No início da aula distribuímos apenas os roteiros, promovemos uma breve contextualização e discussão inicial, explicamos o que seria feito, e só então distribuímos as bexigas.
Dois grupos se interessaram bastante pela proposta. Falaram do prêmio nóbel de física e de documentários que tinham visto falando do tema. Fizeram perguntas interessantes como: “se o universo está se afastando por que não vemos, por que eu não vejo você ficando mais longe de mim?”, “Por que as galáxias se afastam?”, “E de onde veio toda essa matéria que se afasta no universo?”, “O que tinha antes do Big Bang”. Dava pra responder, algumas perguntas, muitas não dava. Indiquei outros documentários, livros, troquei email com alguns pra trocar material. Ainda assim, também nessa turma, o foco estava nos universos pessoais. Perguntaram, sobre a USP, sobre os cursos, se foi difícil entrar, o que eu achava dos movimentos estudantis, da ocupação da reitoria, se todo mundo fumava maconha. Foi muito difícil falar sobre algumas coisas, ainda é. Poucas horas antes presenciamos a entrada da tropa de choque na USP.
Existia um certo nível de indisciplina, não tão grande quanto no 3ºA. Novamente não tentamos controlar a classe, nem forçar o foco no tema que estávamos trazendo. A professora Rosane sempre nos ajudou muito nas oficinas, passava entre os grupos explicando, ajudava nos experimentos etc. Dessa vez ficou a maior parte da aula sentada conversando com uma menina que estava grávida, e extremamente desconfortável no banquinho do laboratório. Falou como seriam os últimos meses, contou um pouquinho da sua experiência. Achei que isso foi importante, de certa maneira mostra um carácter humano que naquele momento talvez fosse realmente mais importante do que o seu lado professora de física.
Enfim, apesar da falta de foco, conversando com os grupos e analisando os roteiros acreditamos que os objetivos propostos foram satisfatória mente atingidos. Os grupos do 3ºA parecem entender a estrutura hierárquica do universo (planetas, sistemas planetários, galáxia), não apresentaram grandes dificuldades em relacionar modelos de expansão do universo com a analogia experimental apresentada. Além disso propuseram analogias interessantes para a expansão do universo. Um grupo falou da fumaça de cigarro, outro de tinta se espalhando na água, um grupo falou de “pintinhas” na pele de uma pessoa que cresce, outro grupo usou um exemplo parecido: falou dos próprios membros, mãos, pés e cabeça que se afastam todos entre si a medida que a criança cresce. Achamos interessantes esses exemplos que comparam a expansão do universo com a própria expansão do ser humano. Será que estavam pensando no crescimento deles como pessoas que em alguns meses sairiam da escola? |